sexta-feira, 28 de junho de 2013

ALEGRIA DA CHEGADA



Estou em festa! Saio da minha residência em direção à casa de um de meus irmãos. O objetivo é triplo: Rever duas pessoas queridas que há muito não vejo, conhecer meu lindo sobrinho, e também visitar o dono da improvisada pousada, que faz parte dos que tenho em apreço.
Após um revigorante banho, eu e o casal de filhos nos apressamos em partir. O dia está frio e nublado, e eu, ainda, sou obrigada a ir à faculdade prestar a última avaliação. Apesar do frio e do cansaço que me incomoda e o pouco tempo que me resta para curtir–lhes a companhia, deixo-me levar pela ansiedade em ver aqueles que, embora próximos pelo sangue, vivem distante pelo espaço que nos separa.
Chego ao portão da casa já tantas vezes por mim visitada e a ansiedade se avoluma. Sei como são seus rostos, pois as muitas fotografias enviadas já deram conta dessa parte da minha curiosidade. A voz de ambas as visitas ainda consigo ouvi-las, pois ao falar-lhes ao celular era o mesmo que estarmos conversando presencialmente. Ainda assim o coração se desassossega. E o sobrinho? Há de gostar-me como tia? Hão de se entender os primos que mal se conhecem? Enfim, a cabeça não para de maquinar mil suposições.
O portão se abre e eu, juntamente com os meus filhos, somos recebidos por um de meus irmãos. Descemos as escadas que levam à porta, conversando algo que não consigo me lembrar. No olhar das crianças, um misto de suspense e ansiedade perfeitamente disfarçados por sorrisos tímidos. À frente da porta sou recepcionada pela primeira visitante, que há tempo não gozo de sua presença. Um ar tenso de ansiedade contida toma conta de seu semblante que vem carregado da visível canseira da viagem. Não reconheço sua voz. Soa-me estranho, apesar de ouvi-la quase todos os dias ao telefone. Demo-nos um caloroso abraço que foi pequeno em vista dos anos de afastamento. Dentro da casa encontro dois braços abertos onde me aconchego num gostoso abraço e sou aquecida pelo beijo materno. Os irmãos presentes no recinto sorriem. É sublimemente delicioso ter mãe!
Deixo-me ficar por uns instantes a receber elogios: mães amam elogiar a prole! E em segundos me dirijo a admirar aquela de quem tanto almejei a presença: Minha irmã mais velha.
Melhor, a primogênita, a que nasceu antes de mim. “Mais velha”, por quê? Reflito indignada, “Mais velha” do que eu? Como assim? Não sou velha, ora bolas! Que falta de criatividade de quem inventou essa maneira de se retratar aos irmãos que nos antecederam!
Brincadeiras a parte, voltemos à narrativa. Os primos logo se entrosam intermediados pelo gosto em comum: O Playstation.
Minha mãe está confortavelmente pilotando o fogão, o que não perde para piloto algum, enquanto minha irmã tenta colocar a casa em ordem prevendo visitas posteriores, de algum parente. Dito e feito! Aos poucos a casa foi enchendo-se de visitantes para recepcionar as visitas importadas da capital das Alagoas.
Conversamos pouco, mas foi bom! A macaxeira feita A La mãe, acompanhada de um charque (jabá) nordestino, trouxe-me a lembrança da minha infância. Cada prato servido pela nossa mãe tinha sabor único, não importava quão simples fosse!
Fui à faculdade contra a minha vontade e ao sair entraram mais duas visitas que vieram visitar as recém-chegadas.
Após a faculdade, apropriei-me da desculpa de ter deixado meu filho na casa com as visitas, e voltei à companhia delas, saindo de lá já em altas horas. Claro que retornei outras vezes, e tentei aproveitar ao máximo o prazer de suas passagens por São Paulo e em nossas vidas.
Ainda não conheço meu cunhado, mas em breve dias chegará. Será gratificante tê-los ao nosso redor e conhecer àquele que há quinze anos escolheu a companhia e o coração de minha irmã e que, com ela, nos presenteou com um lindo sobrinho a quem amei conhecer.
Porém, o problema das viagens é que as visitas, assim como vem se vão. E em breve, toda essa farra se acabará e cá ficaremos tocando nossa vida programada, e lá estarão os que retornarem recomeçando de onde pararam. Um vazio oco tomará lugar das conversas, risadas e até das lágrimas que porventura possam surgir. A saudade minará todos os cantinhos dos lugares por onde passaram e explodirá nos corações que se  atreverem a pisar neles.
O fogão falará do charque com macaxeira, o prato azul nos lembrará de algum guloso que o encheu até a borda com a boa comida caseira, o varal balançará saudade em forma de panos que a irmã lavou e cuidadosamente estendeu a aquecer-se, do sofá ecoará as gargalhadas e risadas diversas das visitas que vinham e iam, e que iam e vinham, sem parar.
O cantinho onde a mala ficou escondida murmurará sua solidão. O cheiro do perfume já apagado do recinto será ativado na memória toda vez que se adentrar ao banheiro. O retrato, que dantes retratava uma única imagem, reproduzirá dois rostos saudosos:  O da figura retratada na tela, e o da imagem dos olhos marejados que o admirava todos os dias.
As peças emprestadas para ajudar a espantar o frio paulista, gritará aos ouvidos de seus donos o agudo grito da saudade. As indumentárias serão as mesmas, mas o corpo a usá-las, por um bom tempo, serão as fantasmagóricas imagens das recordações.
Porém, prevenidos como somos, não perderemos esses momentos dourados. Registramos, e continuaremos a registrar, toda essa história num flash, e até gravamos, e gravaremos ainda, os breves momentos que se farão eternos a cada rebobinada do vídeo.
E, em forma de fotos ou vídeos, espantaremos as saudades, vendo, ouvindo, lembrando e curtindo todos os pequenos e grandes instantes que passamos juntos daquelas que são a parcela e a extensão da grande e feliz família Castanha Santos.

Leila Castanha
06/2013


SENTIMENTOS MISTOS



Estou experimentando um misto  de sentimentos. Sinto-me extremamente feliz por gozar a presença de entes queridos, todavia, suas presenças me reportam a ausências significativas em nossas vidas. Tenho a gostosa sensação de reviver felizes momentos remotos e ao mesmo tempo, sinto um aperto doído no peito pela constatação de que nem tudo mudou para melhor. São marcas que percebo em nossos rostos e em nossas almas que não são bem vindas. Doenças que tiram o prazer da companhia, lembranças de tempos passados, dos quais nunca mais vamos poder nos apoderar para consertarmos algo que por algum motivo saiu errado, e alterou de forma ruim o nosso presente. Tempos não aproveitados ou mal usados, amizades perdidas ou não efetuadas, sorrisos negados ou mal distribuídos, confiança depositada em pessoas erradas e descrédito em alguém que descobrimos mais tarde ser merecedor de nossa amizade.
Sinto um grande bem estar por todos os nossos objetivos alcançados e até pelas histórias que dantes nos fez chorar, mas que hoje zombamos delas com deliciosas gargalhadas. Os trejeitos antigos dos nossos entes próximos surpreende-nos a memória e voltamos a rir uns dos outros, denunciando o quanto observadores somos em relação a quem nos interessa nesta vida.
Mas, a tristeza me sobrevém ao perceber olhares folgazes, de repente pararem estáticos e formarem na testa tensa algumas rugas de preocupação. Não são marcas criadas no improviso do momento, mas previamente desenhadas com o passar dos anos e o aumento do peso da responsabilidade que a vida nos impôs. Rugas e marcas que teimam a acentuar-se não obstante nosso esforço em expurga-las. Coisas dos anos, mas também marcas da vida.
Estou feliz e triste ao mesmo tempo.  Feliz por ver que muitos estão bem: bem casados, bem amados, bem dispostos com a vida, bem de aparência, rostos joviais e bem conservados, a despeito dos acúmulos dos dias e das dívidas diárias. Estou triste por saber que ninguém está totalmente bem de verdade, mas todos vivemos sob constante ameaças: Não há bom casamento que vá de vento em popa sem a devida providência monetária no decorrer dos anos de comum vivência; não há amor, de espécie alguma, que seja forte o bastante quando falta o necessário que a vida exige, seja dinheiro, saúde, trabalho, ou qualquer outra coisa; A aparência, até ela se deteriora quando nossas mentes entram em parafuso diante das “falturas”, que, somente quando supridas, nos fazem iluminar o rosto e desenhar nele um belo sorriso. A tristeza ronda a casa onde não há a dignidade em todos os âmbitos da vida, e diante das prolongadas situações de carência o bolso se esvazia, a mente se sobrecarrega, a alma se seca, o rosto é castigado e o corpo se definha.
Estou feliz porque estamos todos bem, na medida do possível, porém, trago dentro de mim uma grande parcela de tristeza, por saber que vivemos num país rico e abençoado por Deus, e seria perfeitamente possível que a medida de nosso bem estar fosse muitissimamente melhor: cada um com seu digno salário, tendo a saúde tratada com primazia, com condições de oferecer lazer a sua família, e todos nós VIVENDO a vida, ao invés de apenas continuarmos em algum lugar desse Brasil, pagando impostos para termos direito, apenas, de continuarmos EXISTINDO.
Vejo por trás de belas aparências, um histórico de sofrível enfermidade, que graças a força interior de quem a padece, a aparência saudável lhe salva do justo julgamento.  Observo no rosto sereno e alegre a aparência tranquila de um coração que geme de saudade da sua cara metade. Mentes fortes e sãs que no afã de suas aflições nos trazem o bem estar de suas saudáveis companhias. Por isso, não posso me dar ao luxo de ser eu mesma e prossigo sorrindo sem ter sorriso e transformando meus dissabores em piada e minhas desilusões em brincadeiras, onde cada qual deve fingir que não passa de histórias da carochinha.
Estou aparentemente bem! Pelo menos nisso não decepcionei ninguém: Também sei fingir, sou boa atriz, excelente palhaço que faz a plateia se embolar de rir enquanto minha alma geme de tristeza.
Leila Castanha
06/2013

sábado, 15 de junho de 2013

SAUDADE...






Até pouco tempo atrás, saudade para mim era um sentimento abstrato, do tipo que somente quem a sente pode vislumbrar sua realidade. Mas, hoje, a vejo de forma diferente:

Saudade para mim tem rosto, forma, características e nome. Às vezes ela aparece como homem, às vezes como mulher. Todavia, hoje, sua forma é masculina.

E junto à imagem que aparece em minhas lembranças, posso ouvir sua voz faceira e descontraída gritando o nome de amigos que passam pela rua, com seu jeito brincalhão e sua aura de alegria que contagiava a muitos.

Sua presença é tão clara em meus pensamentos que chego a sorrir sob a lembrança de suas doces gargalhadas!

Vejo-o, sinto-o, percebo-o em cada detalhe. São várias as formas de visualiza-lo e senti-lo. Apego-me a todas para esquecer sua partida e apreciar sua presença invisível.

E os detalhes são riquíssimos e ajudam-me nessa façanha. A memória é sempre ativada e as lembranças agradáveis brotam como flores de esperança.

Recordo-me, de peculiaridades, como se pudesse vê-las: Sua testa franzida, num esforço durante a leitura a fim de apreender seu significado; A mão direita servindo de encosto ao queixo enquanto os olhos fechados indicam concentração no culto; O semblante severo diante de uma situação de discordância; um sorriso franco sempre ao encontrar algum conhecido; Os passos bambos de pernas cansadas da labuta diária e do corre-corre em busca de resgatar almas preciosas; A agenda, amiga inseparável e objeto que denunciava sua responsabilidade diante de suas obrigações; E a Santa Palavra, carregada junto ao peito e diariamente ingerida e vomitada aos ouvidos dos que, como pássaros órfãos, recebiam no bico o alimento já mastigado.

Não posso mudar os fatos, nem duvidar da vontade divina. Todos nós que entramos neste mundo, um dia, haveremos de sair dele. Por isso, louvo a Deus pelo conforto em meio a dor da perda. Pois nesse ínterim de dissabor, consciente de que neste mundo não mais poderei sentir o meu pai lado a lado, aprendi a gozar sua presença em forma de saudade.

 (Laerço dos Santos- 13-09-1944 - 12-06-2012)

Leila Castanha



segunda-feira, 10 de junho de 2013

TRIBUTO AO PAI




 Sala que se cala...

Falta gargalhada alegre,
Invadindo os corações.
Sons dos passos, cansado
... Que não ouve-se mais.

Gargalhadas do molho de chaves,
Como a festejar, sua entrada triunfal casa adentro.
Livros descansados na mesa da sala,
No vai e vem de suas leituras diárias.

Café da manhã... Não ouve sua voz,
Sua caneca preferida, tilintar dos talheres,
Alegria na mesa, bate-papos descontraídos,
Cadeira a esperar, aquele que já não volta.

Sons do Teclado...
Palavras a borbulhar em poesias e prosas.
Olhos cansados, mirando a tela,
Partilhando seus doces e genuínos pensamentos.

Aquela... Que por muitos é esquecida,
Por ele, muito consultada,
Lida e relida,
Recolhe-se na estante, outrora preferida.

Tilintar da tesoura, faceira
Na mão do artista preferido,
Dando forma as madeixas,
Acalentando corações entristecidos.

Poeta do amor...
Esta semente em nós plantou,
Bons exemplos nos deixou,
Ser honrado, justo e leal.
Com orgulho, seguiremos os passos seus.

 
Liliane Castanha

Laerço dos Santos (Poeta do Amor)
(13/09/1944 – 12/06/2012)
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quarta-feira, 5 de junho de 2013

UMA SÓ FÉ, UM SÓ DEUS, UM SÓ SENHOR


Sonho ver entre as igrejas, uma relação de empatia
e não quero acreditar que não passe de utopia
Desejo ouvi-la bradando em voz uníssona, com vigor:
"Uma só fé, um só Deus, um só Senhor!"

Não posso mais observar essa guerra sem sentido
em que as denominações há tempo tem se metido
A igreja dividiu-se e esqueceu o vilão
e Satanás assistindo, irmão ferindo irmão.

Quem dera um dia veremos essa história se cumprir
poder ver isso na Terra, antes de Cristo surgir
Cada irmão se reunindo pra cultuar ao Senhor
Sem preconceito ou disputa, sem orgulho nem rancor

Imagino os metodistas, metódicos como são
Procurando com cuidado cumprir a sua missão
Os batistas, batizando com muita alegria e amor
recrutando novas almas pra o batalhão do Senhor

As Assembleias de Deus, em seu quartel general
enviando mais soldados na batalha contra o mal
E os presbiterianos, a exemplo de Calvino
Pregando o amor divino  e a crença no Deus Trino

Marchando firme e avante com paixão fenomenal
a igreja destemida do crente tradicional
Bradando forte e convicto com alaridos triunfais
lado a lado vão marchando os irmãos pentecostais

A igreja Quadrangular, fazendo seu nome jus
dando as mãos e apoiando a igreja Vida e Luz
Ao lado a Universal do Reino de Deus também
se unindo aos outros crentes daqui, dali e dalém.

E que bênção gloriosa tal qual nunca temos visto
todos juntos cultuando lá na Brasil para Cristo
E a Cristã do Brasil, dizendo sem acepção:
independente do clero, em Cristo somos irmãos.

Ainda me repugna a questão de "ministério"
para mim esse conflito fica cada vez mais sério
Porque não servir a Deus em outras denominações
ao invés de dividir a igreja em facções?

Pois se pensarmos que um dia acharemos "a igreja"
aí então com certeza aumentará a peleja
Acorda querido irmão e ouça de Cristo a voz:
"Denominação é nada, a Igreja somos nós"

Sirvamos ao nosso Mestre tendo sempre o alvo a frente
o nosso alvo é Cristo, o Senhor de todo crente
Entre nós  e cada placa deve estar somente a cruz
denominação é nada, nosso alvo é Jesus

Paremos de preconceito e da mania de julgar
busquemos o Reino de Deus, não a placa em seu lugar
Demo-nos todas as mãos e gritemos com vigor:
"Feliz é toda a nação cujo Deus é o Senhor!"

Se sendo povo de Deus nós não temos união
como pregarmos a paz de Cristo à toda nação?
Os discípulos queriam  que  o seguissem após
Quem não é contra- diz Cristo- logo, então, é por nós

Chega de competição e de vãs filosofias
sigamos ao nosso Deus esquecendo as liturgias
Nosso general é Cristo e de nós o amor cobra
Ele é Deus de um povo santo, zeloso e de boa obra

O da presbiteriana, Assembleia ou Metodista
O da Brasil para Cristo, Renascer, Adventista
 da Graça, Quadrangular ou igreja Universal
  Deus é Amor, Paz e vida, Batista ou Mundial


Tendo a Bíblia Sagrada como regra de conduta
e o Senhor Jesus Cristo seu general nessa luta
Buscando em Cristo a verdade e a santificação
Esse é, digo sem medo, nosso povo, nosso irmão

Anelo ver todos juntos, raça, tribo e nação
Despirem já a camisa de qualquer religião
E empunhando a Bíblia qual bandeira em comum
Bradarem juntos seu lema: "Um por todos, todos por um!"

Metodista, Adventista, Assembleia, Deus é  Amor
Graça e paz, Voz da Verdade, Igreja do Bom Pastor
Da Graça, Palavra que Cura, Renascer, Universal
Pra nós é bem diferente, mas pra Deus é tudo igual

Assim como em nossa pátria há gente de todo canto
Alagoas, Pernambuco, Sergipe, Espírito Santo,
Ceará, São Paulo, Minas,Bahia e Rio de Janeiro
Apesar disso sabemos: "Somos todos brasileiros"

No julgamento divino a Igreja assim se encerra:
Um  farol de Luz no Mundo e todos o Sal da Terra
Pois Ele não preza nomes, placas nem  religião
Pra Deus somos  todos servos, co-herdeiros e irmãos

Liturgia, leis e regras e outros conceitos humanos
Levam a tal guerra santa, pregada por muçulmanos
A Igreja Primitiva desde o inicio mostrou
Que ninguem jamais separa o que o Senhor ajuntou

Embora fora espalhada por pregar novas ideias
a Igreja era a mesma, na Ásia ou na Judéia
A mesma de Jerusalém, o mesmo povo unido
Não uma Igreja rachada com um povo dividido


 Embora alguns  crentes vejam meu sonho como utopia
Quem servir o Mestre amado há de ver isso um dia
Não falo de ecumenismo porque isso é imprudente
Porém que os crentes em Cristo, respeitem-se mutuamente

E quando Cristo estiver com seu povo reunido
Jubiloso então verei o meu sonho ser cumprido
Milhares de crentes juntos bradando com mui fervor:
"Uma só fé, Um só Deus, Um só Senhor!"



autoria: Leila Castanha
2010











domingo, 2 de junho de 2013

SEMIDEUSES


 
estátua de Hércules

Fernando Pessoa, ou melhor, Álvaro de Campos, um de seus heterônimos, em seu "Poema em Linha Reta", insatisfeito e sincero explodiu:  “...Todos os meus conhecidos - desabafou irônico - têm sido campeões em tudo. (...)Tanta gente que eu conheço (....) nunca teve um ato ridículo. Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?” Por fim, num ato de inconformismo protestou: "Então só sou eu que é vil e errôneo nesta Terra?”

No entanto, apesar de sua alma gritar indignada, contendo seu repúdio, não ousou espernear, de fato, diante da multidão engomada de hipócritas e demagogos na qual vivia.
E com a astúcia de um poeta, calou-se por hora, para dar voz ao personagem, que expôs de forma explícita, mas poética, a própria raiva que sentia pela vida.

Eu, todavia, sigo em passos lentos de aprendiz, dando voz ao papel impassível, que exporá meus pensamentos de inconformismo e levará com elegância  a minha denúncia.
E por meio dele, deito e rolo; grito e esperneio; protesto com o dedo em riste contra todos em cuja cabeça lhes couber este chapéu.

O chapéu da altivez, da arrogância, da presunção de sentirem-se deuses, desprezando e humilhando todos que se apeguem ao direito de serem, simplesmente, seres humanos.
Pretensos deuses que infestam nossa sociedade e entronizam-se em nosso meio independente da classe social. Espalham-se como praga arruinando todo lugar por onde passam, e contaminam com rapidez os bons costumes, deixando seus vírus nas mentes pequenas, que aos poucos manifestam os sintomas: sorriso amarelo, olhar frio, peito estufado, andar altivo, nariz empinado, fala áspera e muito medo de se aproximar do próximo.

 Com o passar do tempo, essa doença chamada arrogância, vai se enraizando no coração do homem até gerar um mal terrível conhecido por ego que, se cresce, atrofia a mente e seca a alma. E nesse estágio, o ser humano não consegue mais viver no meio da sociedade comum. Ele isola-se do resto do mundo, incapaz de comunicar-se com alguém, porque o ego é uma doença degradante que deixa o cidadão surdo, cego e demente!

Supostos representantes divinos que infestam nossos templos e envergonham os que reconhecem nossa condição de reles mortais. Enchem o peito de vanglória como quem enche o pulmão de ar, e sem piedade arranca de nós o direito de manquejar, titubear, fraquejar, temer e tremer. Tiram-nos o direito de ser o que somos: pó e nada mais...

Deuses! Que piada! Não passam de meros humanos derrotados e trêmulos diante da falta de coragem de admitir suas fraquezas.
Coragem é isso! Diga aí Álvaro de Campos; Josés, Antonios, Marias, Fernandos e pessoas, inconformados e saturados com tanta hipocrisia. Digam aí medrosos, imperfeitos, fracos assumidos, valentes seres humanos que dão a cara à tapa, mas não forjam a verdade. Nem todos sabem ser seres humanos!

Daí esse mundo decaído e feiamente frio... Um mundo cheio de mortos que pensam estar vivos, ossos e peles que andam em círculos, absortos e indiferentes por não possuírem alma. Pessoas de todos os cantos de sentimentos embutidos e mascarados, gente que chora ás escondidas para que não lhe vejam os olhos inchados, gente que morre engasgada, mas nega-se a cuspir as mágoas que a sufoca, gente que prefere a ilusão de um sorriso a uma lágrima sincera, que se conforma com tapinha nas costas,  mas não  encara um abraço amigo, gente que vive num mundo onde o  prêmio é garantido a quem melhor atua, num mundo onde não se vive, se representa, num mundo de gente que tem vergonha de ser gente.

Desejo um mundo onde os seres humanos parem de exigir dos outros àquilo que não são. Um mundo que me aceite com todas as minhas imperfeições e não espere de mim o que não posso dar. Um mundo que me deixe ser apenas eu, e me livre do fardo da perfeição.
Quero um mundo onde eu possa chorar sem ser criticado, falar sem ser julgado, chutar o balde sem ser recriminado, abrir o coração sem ser descriminado, usar o livre-arbítrio sem ser reprimido, seguir a minha vida sem ser constantemente cobrado.

Detesto me sentir um patinho feio, uma formiga fora do formigueiro, um peregrino sem pátria, um extraterrestre no planeta onde nasci.
A terra precisa voltar a ser a morada dos homens e deixar de ser a morada dos deuses. O mundo clama por homens, a Igreja clama por homens, Deus clama por homens!
Não temos mais amigos, porque cada um se julga perfeito demais para suportar as fraquezas do outro; forte demais pra aturar os fracos; santos demais pra se juntar a reles pecadores...
E assim, os clubes se esvaziam, as escolas diminuem as turmas, as igrejas agregam mais bancos do que gente, e o homem vai ficando cada vez mais só.

Vivemos num mundo intolerante e impaciente, onde cada qual vê o outro como concorrente. Um mundo onde cada pessoa abarca o que lhe convém e vê todo o resto como supérfluo e sem valor algum, e nesse resto, infelizmente, vão centenas de seres humanos que a desumanidade joga no lixo da sua estupidez.

Pobres tolos! Tomam nossos púlpitos como arautos divinos com o coração repleto de soberba e vazio de Deus. Usam a Bíblia para abrir os olhos de seus ouvintes, quando os próprios não enxergam a verdade. Repugnam a fraqueza humana sem ao menos se dar conta que ela é a chave para o poder de Deus se fazer perfeito.
Rejeitar a fraqueza é despir-se da humanidade. Pois, se Deus quisesse trabalhar com seres poderosos, certamente teria recrutado seus anjos, no entanto, Ele preferiu aos homens: "Meu poder, esclareceu a Paulo,  se aperfeiçoa na fraqueza".

  Ao homem foi-lhe imposto um limite e quem tentar transpô-lo há de cair vencido.
 O ser humano não consegue carregar o próprio fardo da humanidade, tentar ser Deus, acredite-me, dá muito mais trabalho.

 Leila Castanha
2010




  





SALVE, SALVE-NOS!

Creio que não sou a única a reparar que nossos compatriotas mal sabem cantar o hino nacional brasileiro. Pensei por décadas que era puro desinteresse de uma gente sem apego algum a pátria que o acolheu.
Até que um dia, ao tentar eu mesma, cantar de forma racional o nosso hino pátrio, ocorreu-me que o motivo veraz pelo qual muitos não o conhecem é por não compreenderem seu significado.
O extensivo uso de hipérbato, por exemplo, contribui, com certeza, para que grande número de mentes simples cante sem qualquer encanto: “Ouviram do Ipiranga ás margens plácidas de um povo heróico o brado retumbante” , quando, talvez, vissem algum sentido se cantassem mais diretamente: “às margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heróico”. Não que isso fizesse muita diferença, mas pelo menos, falaríamos um português a nível nacional.
Contudo, devo salientar que este não é o único “caroço” encontrado em nosso hino. Na verdade, as letras mais inteligíveis nos desanimam ainda mais de aprender essa bela composição de nosso ilustre Duque Estrada, que, cheio de boas intenções, visionou em relação ao Brasil uma pátria de liberdade, igualdade e paz. Pena que essa terra, muitos brasileiros não a tenha conhecido, e por isso, nem todos podem cantar com verdade tão belos versos!
No entanto, como bons patriotas, os brasileiros, servis e submissos, em voz uníssona cantam em louvor á pátria mãe, á despeito de seus desencantos. E cada qual a seu modo, vão fazendo como podem: Ora cantando, ora improvisando. Mas, certo é, que todos tentam! Mesmo aos tropicões, pausando disfarçado quando a letra lhe foge á memória (ou talvez nunca estivessem lá) ou, dando espaço ao som instrumental para que lhes encubra as entradas bruscas fora de compasso.    E assim, aos “trancos e barrancos”, o Brasil abre o peito em canto nacional, seja por orgulho ou por uma oportunidade, ao menos nesse momento, de sentirem-se realmente brasileiros.
E em meio ao coro seleto dos “alguéns” e “ninguéns” do nosso Brasil, quais estátuas de pedra, indiferentes a diferença gritante de classes sociais, escondem-se os líderes de nossa pátria verde-amarela; mais amarela que verde, devido à fome de comida e de justiça que sofre há tempo o nosso país. E o verde, só ficou no pano de nossa bandeira, pois a politicagem destruiu o verde-louro de nossas esperanças, e as queimadas, aos poucos, vão fazendo nosso Brasil virar cinza.
Mas lá estão nossos regentes com suas hipocrisias e seus bolsos e até cuecas recheadas com nosso dinheiro, e mesmo assim, fitam seriamente nosso lema de “ORDEM E PROGRESSO”, como se nossa terra estivesse em plena ordem e nossa pátria avançando progressivamente.
E, ainda assim, com a mão levada ao peito, erguem suas faces de cedro e cantam como surdos, sem poder ouvir a própria voz: “E se ergues da justiça a clave forte...”- Entoam indiferentes as palavras da música.
Mas, certamente, entenderiam o espírito da letra entoada, se tirassem a mão do peito e por um instante levassem-na à consciência.Mesmo assim, feio ou bonito, o Brasil canta! Seja na voz do eloquente cidadão, que ostenta seu português refinado, encantando os ouvintes enquanto ávido canta: ”Ouviram do Ipiranga as margens plácidas...”, ou na voz enrustida dos “Zé Ninguém” “desta terra mais garrida”, cujo português tão pobre quanto eles, saltam de suas bocas com a mesma dificuldade com que enfrentam a vida, mas com o mesmo vigor de um coração apaixonado: “Ouviram do Ipiranga - soltam a voz, orgulhosos - as margens “prácidas”...E aí, nossos irmãos periféricos, cantam erradamente, destacando-se entre as vozes polidas e buscando sentir-se parte desse povo heróico .
E assim, segue a cantoria nacional, apresentada por um gigantesco coral, de entendidos e leigos, de doutores e indoutos, de ricos e pobres. E longe da sabedoria escolástica, trazendo na bagagem apenas o conhecimento comum adquirido no dia-a-dia, o povo brasileiro da ralé, a classe baixa da sociedade, não se cala, mas continua cantando e improvisando o nosso hino nacional, na humilde concepção de que, sendo hino da nossa pátria todo cidadão reconhece sua letra.
 E com esta crença, de cabeça erguida e mãos ao peito, cantam os periféricos de nossa pátria, que apesar de nem sempre tê-los acolhido sobre seu chão, um dia há de recebê-los sob ele:
“Ó pátria amada, idolatrada, salve, salve-nos!”

Leila Castanha
2010


sábado, 1 de junho de 2013

VIAGEM DE ÔNIBUS



Passo pela rua sentada no banco de um ônibus. Dezoito horas e alguns minutos. Igrejas, bancos, lojas, empresas, clubes, parques, coisas e pessoas passam como num passe de mágica pelos olhos cansados que insistem em fechar sob o balanço do transporte. Pessoas às pressas ou descuidadamente tranquilas num mundo cão, onde é proibido relaxar os sentidos, sob a punição de um ataque repentino dos vermes que invadem o mesmo espaço.
Centros bancários que nos trazem a falsa sensação de segurança na pessoa de seus vigilantes, ariscos e desconfiados de tudo e de todos. Clientes que não sabem se devem olhar a operação da máquina ou se assumem a posição de próprio guarda- costas, porque aquele só tem a função de guardar as próprias, desde que sua integridade garanta a integridade da empresa para quem expõe a vida.
Na pessoa do vigia não parece haver homem, não parece haver vida. Não se vê o pai, o marido, o amigo, o filho ou o irmão. Somente a face gélida, treinada pelo oficio,  cumprindo com honra a honra de poder morrer a troco de alguns “Reais”.
No interior do mercado, instalado ao lado do farol, que vermelho, força a parada do transporte coletivo, vejo  pessoas a passos ensaiados dirigindo-se ao caixa com alguns pacotes nas mãos contendo, provavelmente, breve suprimento para aguentarem a noite de trabalho ou adiantarem o processo do desjejum a que se submeteram no afã do longo dia.
 Talvez mães, com a cabeça tão repleta pelo mecanismo cerebral que as leva a pensar na cria, que ficou horas sem ver ou ficará a partir de então. Não há mulher, não há pessoa, apenas um ser, que se conhece apenas por “ser mãe". Por causa de este dever de ser, sai de casa, vai ao mercado, compra um lanche, ruma ao trabalho ou regressa dele, pois essa é a saída para a possibilidade de garantir a sobrevivência da prole.
 Na fila para pagar a compra, outros corpos, inertes, acompanhando o andar do primeiro até chegar a sua vez. Mentes ausentes, olhos distantes: alguém precisa atravessar a fila que se empilha de gente, e para ser entendido, precisa de três tentativas de pedido de licença. Corpos não ouvem, não pensa, o máximo que fazem é reagir a instintos. Assim, sem mudar o olhar, o cavalheiro, afasta-se e o outro, sem dar-se ao trabalho de  olhá-lo no rosto ,  agradece e se vai.
 Por isso, um tropicão em alguém no ônibus ou na rua, é causa máxima para grave discussões, porque não há mentes, os ônibus levam corpos e nas ruas circulam matéria desprovidas de percepções sobre o próximo. O próximo vem guardado apenas na memória distante, que pensa no filho, nos pais, no cônjuge, pessoas intimamente ligadas a si. Os demais são os outros, sim, você e eu somos os outros, invisíveis e sem valor pessoal. Não há espaço para cortesia, mas a ira se vê estampada na face dos passageiros toda vez que uma pessoa “especial” entra e o assento preferencial, ocupado por pessoas sem necessidades especiais, tem de ser cedido. Não há razão, não há ponderação, porque corpos, por si só, não podem refletir, e cadê a razão dos transeuntes? Estão ocupadas em lugares remotos resolvendo problemas ou refletindo sobre coisas mais pessoais.
Ruas movimentadas de estudantes que a colorem com suas roupas, mochilas e bolsas, onde deve haver todo o repertorio para sua intelectualidade por vir. Não há moças, rapazes, senhoras ou senhores. Há pés programados para o crescimento intelectual, que acham os portões da escola pela prática diária, enquanto suas mentes vêm atrás de si, após um longo tour por suas preocupações e/ou aspirações. Não há prazer em suas faces, mas a dura realidade do dever a ser cumprido que  força-os a fazer o que sabem que deve ser feito. Não vejo almas, porque alma sente. Percebo apenas corpos flutuantes em busca de um lugar para a matéria num mundo material, onde a alma é treinada a subjugar-se a rotina, que lhes repete que o dever deve antepor-se ao prazer e o prazer é antagônico ao dever.
Clubes, bibliotecas, centros culturais e recreativos, lindos, suntuosos e... Vazios! Comparados  às ruas e locais de trabalhos cheios de trabalhadores e aspirantes a serviçais. Nos poucos centros de prazer, poucas pessoas, que podem se dar ao luxo de em um dia comum de trabalho curtir o relaxamento. Mas estas, nem são vistas, como se sua excelência é tão descabida de ser contemplada pelos que, nos transportes públicos, não têm direito a tão selecionado público.
Horas no transito. Sono. Sono profundo, que não consegue ser dormido, apenas sentido. Os olhos teimam em ver o que o coração clama para não ver. A mente já não quer mais ponderar sobre nada, porque os fins de todas as reflexões acabarão em nada. Nada mais nada é melhor adiantar o processo e pensar em nada. É tudo o que a mente consegue processar no momento.
Vultos de prédios, paisagens, pessoas. Só vultos. Estou meio acordada, meio dormindo. A vontade é de dormir de verdade, mas apesar do sono, o repouso não vem. Os olhos fecham, mas a cabeça não para. Não pensa, mas gira em torno de tudo o que foi visto.
Sono, muito sono! Fecho os olhos para me entregar ao apagão que me trará a sensação de que cheguei mais rápido ao fim do meu trajeto. Acomodo-me, meio incômoda no assento do ônibus, repouso a cabeça pesada sobre o encosto, e finjo que durmo, como todo mundo lá fora e dentro do ônibus, que apesar de terem os olhos escancarados, não se dão conta do que se passa ao seu redor.
Finjo. Tento convencer meu cérebro de que durmo. A mentira foi repetida tantas vezes, que ao chegar ao meu ponto, percebo que dormi de verdade. Não sei quanto tempo, mas dormi, ainda que apenas um cochilo.
Descobri que a mente é assim: Por mais que seja poderosa para nos trazer informações diárias e nos capacitar a refletir sobre elas, ainda somos nós quem a comandamos.
Por isso, em meus trajetos diários no transporte coletivo, vejo pessoas tão iguais, mecânicas, distantes, programadas. Pessoas que são frutos de suas mentes subjugadas pela indiferença, sem sequer se dar conta que submetem a escravidão da mesmice, um agente capaz de transformar suas existências em algo espetacular, que se chama “Vida”.

Leila Castanha
04/2013


BEM VINDO À SÃO PAULO!




Moro na cidade de São Paulo. Sonho de muitos, terror de outros. Cidade bela e populosa, de gente amistosa e de coração grande. São Paulo é vasta e tem coisas diversificadas! Capital do estado que traz o mesmo nome, repleta de lindas mansões e luxuosas residências cheias de cômodos. E é esta imagem a respeito da Terra dos Bandeirantes que enche o coração dos brasileiros pelo resto do país.
Moro no coração da cidade de São Paulo. Sou metropolitana. Uau! Tô me achando! Metropolitana! Muitos interioranos e nordestinos usurpam viver no centro desta grande metrópole e aqui estou eu, bem no coração da maior cidade da América do Sul. No centro da rica e bela São Paulo! São Paulo dos lugares históricos, do Museu do Ipiranga, do museu da Zoologia, das Artes Sacras, das Letras e muitos outros museus cuja cultura e beleza muitos paulistas e turistas se deliciam em vislumbra-las.  São Paulo dos centros culturais, teatros e cinemas; Do jardim zoológico, do Butantã das cobras e do Jardim Botânico; dos centros de lazer e entretenimentos tais quais os famoso Playcenter, Parque da Monica e tantos outros, que entretém grande numero de visitantes; São Paulo dos estádios famosos, do Morumbi e Pacaembu; São Paulo do Anhembi dos  eventos de fórmula Indy, dos carnavais  e das grandes exibições; São Paulo da gigantesca USP, dos clubes e exposições de todos os tipos, espalhados em todo canto dessa esperta cidade que não dorme.
Desculpe-me, mas se você pretende nos visitar, não posso ajuda-lo: Essa São Paulo eu não conheço. Talvez conheça tanto quanto você ou ainda menos.  Sei de muitos nomes de lugares exuberantes dessa linda metrópole, mas conhecer, de fato, apenas dois ou três, nos quais tenho ido, algum dia na vida, com a escola, um namorado ou alguma tia que fez a caridade de pagar o meu ingresso.
Mas não precisa ter pena de mim. Tem um pedaço dessa terra onde conheço perfeitamente. E se alguém pretende que eu os guie por lá, eu poderei, enfim, ajudar.
O nome é Jangadeiro. Não, melhor fala-lo completo para soar mais bonito: Jardim Jangadeiro. Lá não tem jardim algum, a não ser os pobres matos pelos quintais, os quais os sonhadores proprietários chamam de planta. Creio, portanto, que ao menos o “jardim” que prenuncia o nome do meu bairro, não deva faltar. O motivo do nome não interessa muito, já que as conjecturas são diversas. Nesse bairro onde fixei residência, não tem nada de interessante, a não ser o próprio povo que nele habita. Um povo que mal se conhece devido a correria do dia a dia que os força a acelerar a vida em prol da própria sobrevivência e de suas famílias.
A rua onde moro tem nome de gente: Abílio César. Há quem diga que este senhor já foi dono de quase toda a rua. Agora, não é assim. Ninguém é dono de nada e ao mesmo tempo todos são donos de tudo. A rua é comprida e empilhada de casas e comércios que disputam espaço com os carros e pedestres. A calçada é só de fachada. Ninguém consegue andar sobre ela, pois a falta de espaço para as moradias força alguns moradores a espichar um pouco mais suas casas para a direção da rua. Os carros, pobrezinhos, sem a garagem que merecem, tem que se conformar em dormir na rua, ou sobre a calçada em frente à casa de seus donos. A tentativa de algum transeunte andar sobre os pedaços de calçada que lhes resta é uma visão de dar vertigens devido ao zigue-zague que se faz necessário, ora subindo, ora descendo para a rua. E se o sujeito resolver se munir de seus direitos e resolver ir adiante sem mover-se dela há de bater de cara com algum carro, barraca, degraus ou poste que lhe servirão de obstáculos constantes.  Os moradores, solidários e acostumados com a “faltura”, andam pelas guias jogados à sorte, torcendo para que algum carro não lhes atropele ou não sejam xingados pelos cegos motoristas que não se atentam a falta de opção dos pedestres e de quem lhes tomou a calçada.
As casas são a cara de seus donos: pobres, desprezadas, sem espaço e empilhadas umas às outras em becos escuros que lhes dão um ar de coisa desprezível. Cães e gatos se veem aos montes, pois que incrível é a solidariedade dos necessitados a repartir o pouco que tem com os que não tem nada. Os bichos alimentam-se do amor de seus donos e servem de alimento para as pulgas, mas mesmo assim aprendem a sorrir e abanar o rabinho. Felizes são por não pensarem, enquanto que seus donos sofrem por não saberem distinguir o animal do racional, pois que ambos são tratados iguais e dividem a mesma desgraça.
 Arvores, não tem. Impossível planta-las na calçada, se a calçada lhes falta.  As moradias do meu bairro não tem espaço para os lados, nem para frente ou para os fundos, então, como os próprios proprietários já aprenderam pela dura vida, a esperança é apelar para cima. E assim, como os olhos e pensamentos de seus donos, que se fixam nos céus, suas casinhas vão subindo e subindo, sustentadas pela misericórdia divina, que compreende que este é o único meio desses infelizes ficarem sobre o chão, uma vez que suas desgraças os ameaçam, todo dia, leva-los para debaixo dele.
Essa São Paulo é a minha cidade. Moro no coração dela. Bem no centro. No centro da pobreza, no centro do descaso, no centro da humilhação, no centro da hipocrisia. Meu bairro deveria ser o cartão postal dessa cidade, já que ela aglomera bem mais cópias de nós do que da falsa propaganda que vendem ao mundo.
Quer conhecer a cidade de São Paulo? Então antes de viajar decida-se de que São Paulo você está falando: A São Paulo de Alfavile, do Morumbi, dos Jardins, da Chácara Flora, da Paulista ou a São Paulo do Jardim Jangadeiro, do Valo Velho, do Glicério, do Parque Arariba, de Itaquera e de tantos outros lugarzinhos que os nossos governantes faz questão de fingir que não existem?
Se você preferir pela primeira opção, desculpe-me, mas não posso te ajudar. O que sei dessa São Paulo resume-se em descrever casarões e gente igualmente luxuosa. Não sei de mais nada, pois esse lado da cidade me é proibido.
Mas se apontar a segunda opção, então, posso te garantir que você verá lugares muito feios e esquecidos, mas conhecerá um povo extremamente acolhedor, de sorriso fácil e que pode te ensinar muito sobre como vencer na vida!
A minha São Paulo não é lugar de quem quer conhecer coisas, mas é o cantinho ideal para quem quer conhecer gente. Gente mesmo. Seres humanos, que como tais conhecem todos os sentimentos. Gente que tem dia que ri e dia que chora, tempo de festejar e de se recolher triste, de gritar aos quatro ventos o que lhes incomoda  e de ficar mudo diante das decepções que lhes roubam as palavras. Gente que foram endurecidos pelos maus tratos da vida, mas que tem uma mão amiga e sabe ser doce.
Bem vindo à cidade de São Paulo! À minha São Paulo! A outra, desculpe-me, não me cabe convida-lo.
Esta São Paulo eu conheço!



Leila Castanha
05/2013
 

SER HUMANO


Somos todos pó!
Acho muito interessante quando ouço alguém dizer que temos de ser mais humanos. Eu mesma uso muito esse termo. Todavia, em uma noite, envolto as névoas de preocupações que pareciam bailar dentro da minha cabeça, meus pensamentos remexiam nas caixas das minhas interrogações mais ridículas, fazendo pular delas uma pergunta que me assombrou pelo resto da noite:
“Que beneficio existe em alguém querer ser “mais” humano”?
Minha mente forçou-me a pensar tanto, que a despeito da minha vontade de dormir, todos os meus músculos se retesaram, na tentativa de ajudar-me a desvendar tal mistério, como se a descoberta pudesse calar meu tormento e levar-me aos braços do merecido sono.
“O que é o ser humano, pensei, para que alguém possa desejar ser ‘mais’ humano”?
Após perder longos minutos analisando a minha própria humanidade, não tive muitas esperanças. Ponderei as qualidades reais e intrínsecas do ser humano, claro, baseando-me em minha própria pessoa e me decepcionei ainda mais.
Deparei-me com um ser volúvel, que a despeito de sua sincera intenção de lealdade não era capaz de assinar sob suas próprias promessas. Listas de juramentos desfilavam em minha mente, quebrando-se a cada espanto de minha alma ao descobrir as dezenas de pessoas que minha inconstância havia decepcionado. Em seguida, como que num filme, passaram-se milhões de pensamentos que adentraram minha mente, e dos quais me envergonhei deveras. Ideias de vingança bailavam frente aos meus olhos fechados, como pontos de luz que me guiavam a lembrança de alguém que desejei muito que se desse mal.
  Em meio as minhas listas de compromisso, observei atônita quão falha tinha sido em cumpri-las. Desisti de muitas coisas pelas quais lutei, e passei a buscar novos sonhos, desprezando os velhos dantes alcançados. A palavra ingratidão passeava na tela imaginária de minha mente e junto com ela uma fila de pessoas e situações que estavam a minha mercê e eu as ignorara.
Diante de mim, transformadas em vultos de memória, parentes e amigos, vinham e iam, carregando um sorriso triste em seus lábios, causado pela minha escolha de isolar-me dentro de mim mesma, indiferente à necessidade alheia. Por mais que amasse alguém, era-me difícil colocá-los antes de mim. Eu necessitava ser o centro onde o amor de todos circundasse, nem que para isso, mascarasse meu egocentrismo com trajes de amor incondicional.
Minha consciência me acusava avidamente pelas muitas vezes que desejei algo com tanto afinco para momentos depois desprezá-lo, a despeito do quanto batalhei para obter. Por ter sonhado  com um desejo antigo, e depois de realizado já partir para um novo ideal, como se eu fosse um poço tão profundo onde jamais conseguisse a façanha de tocar o chão.
Finalmente, diante daquelas acusações pronunciadas pela minha consciência, senti-me como que num beco sem saída, e procurando algo em minha defesa ouvi surgir lá do fundo do meu subconsciente uma frase muito familiar, da qual sempre me utilizava quando minhas atitudes eram condenadas: "Não é culpa minha", retruquei para mim mesma, afinal, sou ‘humana’.
Então, ao perceber o que pensara, com a mente em parafuso, conclui em desalento: “Se eu sou humana, e ser humana é ser como sou, porque eu me esforçaria para ser ‘mais eu’?
Porque eu haveria de querer ser mais egoísta? Mais estúpida? Mais ingrata? Mais inconstante? Mais inconsequente? Mais falha?
Já exausta e com os olhos cansados suplicando pelo alívio do sono noturno, dentre as névoas das minhas inquietudes, surgiu um pensamento que trouxe luz às trevas da minha ignorância.
Quando alguém diz que precisamos ser ‘mais humanos’ – ponderei, mais aliviada - não se refere ao sentido real da palavra, que nos reporta a imagem de um ser deplorável e falho. Ser ‘mais  humano’,  no sentido romântico da expressão, é procurar voltar ao nosso princípio e recuperar nossa essência perdida no Éden. É a cada atitude para com o próximo ignorar o nosso Eu, e procurar com todo o coração o Ser que fomos criados. É ignorar o Ser humano  que nos tornamos, e tentar voltar a ser a imagem e semelhança de Deus.

Leila Castanha
2013