sábado, 29 de novembro de 2014

VIDA: VIA EXPRESSA PARA A MORTE

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O coração vazio pela partida premeditada. Não sei quando, mas sei que um dia partirei desta existência para não sei aonde. Minha fé vacila como as ondas do mar, que ora se fazem brincalhonas e voltam à serenidade, e ora arrasa tudo a sua frente, tudo que dantes era real para mim, se desfaz carregado pela fúria da descrença.                                                                         
Vou, em dia e hora que não sei, e essa partida talvez não me seja de boa vontade. Isso me enerva e faz-me ver a vida nebulosa. Um futuro incerto e um destino sombrio rondam meu porvir.
Vejo gente que foi e nada mais é do que lembranças, que se desfazem qual fumaça quando o ardor do fogo se esfria pelo tempo. Pessoas que, mesmo quando nos tiravam a paciência, estavam dessa forma fazendo-se presentes em nossa existência. E agora são sombras, que mal conseguimos vislumbrar.
Não sei como é possível viver a vida quando ela é cercada pela sombra da morte iminente, que vem apresentar-se a nós na imagem de diversos rostos conhecidos.  Na face de um ente querido, um amigo insubstituível, um artista amado, um amor antigo, um alguém que marcou a nossa vida, e vem dia após dia, nos fazer lembrar que o fim de todos os viventes é uma cova fria e solitária.
Quanto mais se vive, mais de perto a morte se nos faz conhecida: No silêncio sepulcral em que se tornou a voz do pai que nos fazia rir e conosco gargalhava; na canção em que a mãe  cantava à beira de nossa cama, cuja voz tornou-se muda; na quietude da  casa que o marido tumultuava com seus trejeitos faceiros;  na ausência do artista, cujo personagem nunca mais abrilhantou as cenas; nos coveres que imitam o ídolo, cuja fisionomia já é quase apagada da memória dos fãs.  
Até que um dia nos cansamos de perder, e o tempo cansa de tentar nos convencer a aceitar a vida como ela é, e a vida cansa de suportar nossas lamúrias, e o mundo cansa de tentar se ajustar às nossa mudança, e por fim, nos unimos à morte, sem sequer podermos dizer aos que ficam para onde vamos, e quem será nosso vizinho no além-túmulo.
A vida é um labirinto. Não importa  qual caminho escolhemos, o fim é sempre a cova escura e silenciosa. Se vivemos bem, morremos, e se vivermos mal, teremos o mesmo fim.
Estudamos, trabalhamos, amamos, adoecemos, sofremos acidentes e incidentes, rejubilamo-nos, festejamos, conquistamos, e por fim... Morremos.
Tudo o que fazemos em vida, é, portanto, uma preparação para morrermos: com dignidade, ou como praga que todos desejam ver exterminada. A vida é só um estágio, mas a morte é o game over.  Pelo menos na esfera terrena, para os que, como eu, têm a esperança de uma vida póstuma.
A vida, seja ela curta ou longa, resume-se em uma palavra: Morrer.  A verdade é que a vida é sintetizada em uma caminhada, longa para uns, e curta para outros, cujo fim é nos levar ao nosso começo: Voltarmos a ser pó.
Vivemos como alguém que sai de casa todos os dias, sem ter a menor ideia se voltará  em segurança.  A morte é covarde como o ladrão que leva o salário de um mês inteiro do pobre trabalhador. Lutamos, lutamos, nos programamos, investimos na vida, mas sabemos que a qualquer momento ela nos assaltará.
Essa realidade é tão triste, que todos achamos que só acontece com o vizinho. Eu já não penso mais assim, pois ela já bateu à porta da minha casa e levou um ente querido. Sei que é uma lei universal, e sua guardiã não é corrupta. Para a Morte não há acepção de pessoas, ela só respeita a vez de cada um, na grande fila da vida.
Aos que se foram minhas saudades, e aos que ainda irão minha admoestação:
Viva com os dois pés no mundo e a cabeça na cova.  A morte é real, queira você ou não. Então faça bonito, para que sua lembrança cause prazer e não dor, àqueles a quem sua memória assaltará.

Leila Castanha

2014