quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

RECONFORTO


Às vezes me flagro a cantar teu canto
buscando ouvir tua voz;
E finjo ouvir o teu riso, que corta-me a alma  
qual rude algoz

 Me lembro dos passos pesados,
Que tinhas outrora no sôfrego afã
E penso na tua vivência,
 primada na crença da vida cristã

Eu leio os teus muitos poemas
e tento aprender suas ricas lições
E faço os meus versos amigo
Buscando nos teus minhas inspirações

Assisto com franco sorriso
 a família falando dos exemplos teus
Assim, a ausência acalanto,
Quando a solidão rouba os esteios meus

As fotos, amigas leais,
me embalam caladas na hora da dor
Revejo momentos sublimes
Gozando teu doce e paterno amor

Procuro o teu nome na Net
E sinto tua vida a alvorecer
No nome dos caros amigos
Que em tua vivência fizestes crescer

Não sinto a saudade doída que tanto temia
quando nos deixastes
Mas gozo da doce ausência
Embalando a certeza de que descansastes

E um dia, irei desta vida
 e então olharei dentro dos olhos teus
Irei abraçar-te apertado,
E viver ao teu lado, juntinho de Deus.

Leila Castanha

2015

VIDA MECÂNICA



https://oficinabrasil.com.br/public/img/noticia/59fc5cc8c4a2a.jpg

Bem disse ¹Adélia Prado: O trem de ferro é uma coisa mecânica, mas atravessa a  noite, a madrugada, o dia (...).
No nosso viver diário conhecemos muitas coisas que se movem, porém não vive. O relógio, que marca cada segundo e rege nosso tempo é uma delas.  Apesar de reger nossa existência ele mesmo não é. Sua função resume-se em se mover no ritmo calculado de seus ponteiros. Move-se, mas não vive.
O automóvel que avança em velocidade frenética, indo e vindo ao aperto do acelerador, movido pelo motor que o impulsiona, vai e vem na direção apontada pelo volante que por sua vez move as rodas. O carro move-se, porém não vive.
O instrumento musical de afinados acordes enche a alma ao mais relapso ouvinte. Sua melodia pode mudar os sentimentos atuais de um ser, transformando-o em ofegante gozo ou em melancólica tristeza. A música, tocada nas cordas ou no sopro de um instrumento musical, faz acontecer o que o silêncio nem sempre alcança. Como magia ela move-se em acelerado som na alma carente. Move-se, mas não é um ser vivo.
O cata-vento no alto de um moinho capta o vento e gira conforme a intensidade de seu assopro. Roda lenta ou violentamente cortando o ar ao entorno de si. O cata-vento move-se, mas não vive.
 O relógio marca a hora, a máquina fotográfica tira fotos, a Televisão reproduz imagens e sons nela gravados, o telefone interliga as vozes que viajam no espaço até o ouvido que dele se apropria, o automóvel movimenta-se, segundo a potência de seus motores, a geladeira gela, o chuveiro espirra água, o barco flutua sobre o rio, o avião trafega pelos ares etc. Todos se movem e executam uma ação em maior ou menor escala. Agem com perfeição, deixando o homem em êxtase admirando suas operações mecanicamente programadas. Movem-se com destreza, porém não vivem.
Algumas pessoas passam pela vida da mesma forma. A exemplo de um relógio sua existência é resumida em organizar a vida dos outros enquanto o tempo vai gastando-lhe as pilhas ou travando-lhe as cordas, e, por fim, sem repararem no próprio tempo, que tão bem administram em prol da vida alheia, envelhecem e morrem agindo muito e vivendo pouco.
Gastam-se, alheios ao correr do tempo, enquanto mecanicamente trabalham, ensinam, aconselham, são presentes e oportunos na vida dos filhos, do cônjuge, dos colegas, dos amigos particulares, da comunidade, sem se darem conta que em relação a si mesmos inexistem e se rebaixam à mera coisa.
Coisas podem mover-se segundo suas programações, mas apenas seres humanos podem viver. Quando nos despojamos de nossa capacidade de escolha, nos fazemos comparáveis à coisas, que, apesar de práticas e necessárias, existem apenas para cumprir uma ação programada e satisfazer os desejos egoístas. Rebaixamo-nos a existir como "Algo" no mundo, quando negamos nossa ambição lógica que seria a de vivermos sendo “Alguém” no mundo.
Não somos coisas para levarmos em nós a assinatura alheia. Somos seres, cuja vida, com seus ofícios e designers, deve ser escolhida segundo nosso gosto particular. Somos seres, cuja história deve ser escrita de próprio punho, e cujo exterior de nossa capa deve conter a imagem que nós mesmos escolhemos, a fim de dar aos leitores da vida alheia aquilo que pretendemos que de nós se leia.
Não somos coisas. Coisas são feitas para serem usadas a fim de satisfazer a necessidade de outros e servir ao prazer alheio.
 O valor dos objetos é medido pela necessidade que se tem deles, mas para mim, o valor de alguém é medido pelo o que as pessoas são.  Somos alguém, e não algo.
Ser alguém é não deixar-se mover pelo ritmo mecânico das massas, nem pelo mecanicismo da mídia, ou ainda, pelo círculo vicioso do ensino bancário. É ver a vida, segundo a ótica de Paulo Freire, na qual os homens são seres programados, apenas para aprender. Dentre tantas coisas, aprender a ser gente e não coisas.
Ser gente é não mover-se sem direção, e nem agir direcionado por outros, despido dos próprios ideais. É absorver as coisas externas e processá-las no interior, buscando o impulso da ação na capacidade reflexiva do cérebro.
Ser Alguém é fazer coisas, renovar as coisas e ignorar as que não nos acrescentam.
É, acima de tudo, viver, negando-se a existir no movimento mecânico, onde não há perspectivas, nem ideais. 
Viver é refletir nossas ações para não nos movermos com os pés da massa ou com a cabeça da mídia. Porque, na qualidade de seres vivos e vivendo num mundo de coisas fúteis e materialista, viver é não se dar ao descaso de ser mais uma coisa com cara de gente.

Leila Castanha
01/2015


¹Adélia Prado:  O verso citado faz parte do poema “Explicação de poesia sem ninguém pedir”.